O #marcocivil foi uma resposta contra o #ai5digital, que poderia te prender por usar um PC com vírus

O AI-5 Digital de Eduardo Azeredo (PSDB-MG) institucionalizava a vigilância do cidadão por parte do Estado, com cumplicidade obrigatória dos Provedores de Internet, e poderia te prender por até 6 anos por usar um computador com vírus. O Marco Civil foi a nossa resposta para garantir com lei o direito à privacidade e liberdade de expressão na internet.

Limite de download da banda-larga fixa; bloqueio de aplicativos e sites, censura; vigilância; sempre que propõem (ou executam) algo assim, alguém culpa o Marco Civil e seus idealizadores (incluindo a mim). Mais do que analisar ponto-a-ponto da lei para derrubar estas acusações – isso já foi feito exaustivamente durante as consultas públicas e logo após sua aprovação –, quero apresentar aqui um contexto histórico de como era a web que pariu a Lei 12.965/2014, conhecida como O Marco Civil da Internet.

Convite para Audiência Pública sobre o Marco Civil da Internet
Convite para Audiência Pública sobre o Marco Civil da Internet em 2012

Quando a internet brasileira era tudo mato, quando só tinha um córrego que a gente banhava em água cristalina onde hoje está o Twitter, quando ainda tinha um campinho de terra que a gente jogava bola onde hoje fizeram o Facebook, quando ainda não tinham inventado a tecnologia que possibilitaria inventarem o Snapchat – mais especificamente entre 2003 e 2014 –, o Senador e Deputado Eduardo Azeredo* (PSDB-MG) foi o relator e principal articulador do Projeto de Lei nº 84/1999, que criminalizaria várias práticas comuns na internet. Em diferentes momentos, o projeto de lei relatado por Azeredo propôs que:

  • administradores de sites pessoais ou profissionais deveriam adicionar o endereço (rua, cidade, estado, CEP etc) em cada página;
  • cadastro nacional (com CPF) para acessar a Internet;
  • provedor de internet deveria guardar registros de acesso completos (IP, data e hora, domínios etc) por no mínimo 3 anos, inclusive para locais com wifi grátis como em cafés e restaurantes;
  • quem espalhasse vírus, mesmo sem saber, estaria cometendo um crime com pena de prisão por até 6 anos;
  • provedores de acesso deveriam monitorar, espionar e denunciar clientes suspeitos;
  • prisão de técnicos do serviço de hospedagem que não cumprissem as obrigações legais que eram praticamente inviáveis.

Você pode conferir no Inteiro Teor da lei 89/1999 (pp. 59 e 60):

Art. 13º. Criar, desenvolver ou inserir, dado ou programa em computador ou rede de computadores, de forma indevida ou não autorizada, com a finalidade de apagar, destruir, inutilizar ou modificar dado ou programa de computador ou de qualquer forma dificultar ou impossibilitar, total ou parcialmente, a utilização de computador ou rede de computadores.

Pena: reclusão, de um a quatro anos e multa.
(com agravantes) reclusão, de dois a seis anos e multa.

Imagine um mundo onde a pessoa que espalhar um vírus (mesmo sem saber!) pode pegar até seis anos de cadeia. Todo dono de PC com Windows seria preso? Além disso, em redações posteriores do Projeto de Lei, poderiam ser presos também os responsáveis por sites que disponibilizassem download de software para testes de segurança (que servem também para fazer ataques), como por exemplo o Superdownloads. O Projeto de Lei 89/1999 era um desastre para as liberdades individuais, por isso foi batizado como AI-5 Digital.

Ativistas em protesto contra o AI-5 Digital de Azeredo, em frente ao Congresso Nacional

Em 2009, após uma quase aprovação do #ai5digital, acordamos para o perigo deste projeto relatado pelo Senador Azeredo; então concluímos: temos que fazer uma lei que garanta a nossa liberdade e privacidade online. Em meados de 2009 o #marcocivil começou a ser elaborado por quem pensava e fazia a web no Brasil naquela época. Lembro de alguns nomes envolvidos (não são todos, só os que eu pessoalmente estive mais próximo). Eu mesmo, @lufreitas, @caribe, @lemos_ronaldo, @samadeu, @prenass, @yaso, @josemurilo@dpadua (RIP).

O Professor Ronaldo Lemos foi o principal pensador jurídico esboçando o que culminaria no #marcocivil, ele leciona Direito da Informática na Faculdade de Direito da UERJ, é Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do RJ e diretor do Creative Commons Brasil, sendo, portanto, um dos maiores especialistas em direito digital no país.

De 2009 a 2014 aconteceu a elaboração do Projeto de Lei 12.965/2014, com discussões online, anos de consulta pública e muito lobby das operadoras para fracassarmos.

Eduardo Cunha versus o Marco Civil
Quando o Eduardo Cunha não quer algo, fica fácil decidir de qual lado você quer estar (ad hominem mesmo)

Eu entendo quem critica o #marcocivil com argumentos, não me incomodo com boas críticas. Mas é preciso considerar o contexto histórico do projeto:

O #marcocivil foi o jeito que nós, ativistas da web da época, respondemos à tentativa do Azeredo (PSDB-MG) de criar uma lei que poderia até te prender por usar um computador com vírus.

Eu ajudei a definir alguns parâmetros no rascunho do #marcocivil (Liberdade de Expressão, Neutralidade de Rede, Privacidade). Eu discursei na ONU aqui em NY defendendo o #marcocivil, e em audiência pública na Câmara dos Deputados em Brasília. Era o que eu achava certo. Na minha visão da época, se o #marcocivil não fosse aprovado, o #ai5digital do Azeredo ganharia espaço e seria ele a nossa “Lei de Internet”.

Em 2014, relatado por Alessandro Molon (na época PT-RJ, hoje REDE-RJ), o #marcocivil foi aprovado, num “meio termo” (política) para garantir nossa liberdade de expressão, privacidade e neutralidade de rede. Se você tem críticas ao #marcocivil, excelente! Você pode agir para melhorar ele! Um dos pontos mais polêmicos é a Neutralidade de Rede, que eu defendo pois considero importante para startups e inovação, veja por exemplo os argumentos e nomes no site Startups a favor da Neutralidade de Rede da ABS (Associação de Startups do Brasil).

O #marcocivil foi nossa resposta, para garantir com a força da lei, nossos direitos e liberdades, pois o #ai5digital do Azeredo (PSDB) focava em criminalizar e perseguir. O Marco Civil foi, portanto, “uma resposta da sociedade civil ao AI-5 Digital do Eduardo Azeredo (PSDB-MG)”, conforme constava em documentos e matérias sobre o assunto.

O poder das operadoras de telefonia sobre o Marco Civil da Internet
Acho que as teles perderam essa batalha

As teles, por mais poderosas que sejam, perderam a batalha que pretendia derrubar o Marco Civil. O projeto virou Lei, que por sua vez já foi usada para proteger a liberdade de expressão na Internet:

NEGADO PEDIDO DE RETIRADA DE MATÉRIA JORNALÍSTICA DA INTERNET

Com fundamento no artigo 19, § 4º, da Lei do Marco Civil da Internet, a juíza da 6ª Vara Cível de Brasília não concedeu a antecipação de tutela pleiteada pela autora da ação que pedia, em caráter antecipatório, a retirada do ar de matéria jornalística sobre ela e, ao final, a condenação do jornalista ao pagamento de indenização, a título de compensação por dano moral, no valor de R$ 150mil.

Para continuar lendo:

* Eduardo Azeredo foi Senador pelo PSDB de Minas Gerais de 2003 a 2011, e depois foi Deputado Federal pelo mesmo PSDB-MG de 2011 a 2014. Azeredo foi condenado em 1ª instância em 16 de dezembro de 2015, a 20 anos e dez meses de prisão, em regime inicialmente fechado, pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro no caso do Mensalão Tucano. (fonte: Wikipédia).