eu sou fruto de políticas assistenciais para quem tem menos, e nós não somos vagabundos
vê o cara com a garrafa de coca-cola na mão? tinha bolsa de aluno carente na universidade de brasília (federal), para poder jantar por R$1. muitas vezes era a única refeição do dia, e mal nutrido, tinha que estudar cálculo, lógica, psicologia, pedagogia.
eu sou fruto de políticas assistenciais para quem tem menos
Publicado inicialmente como thread no twitter, e disponível como artigo no LinkedIn.
é triste quando a pessoa que teve comida; casa com tinta na parede, cerâmica no chão; escola com aulas constantes; atividades extra-curriculares; nunca sofreu assaltos; nunca tomou porrada da PM; vem falar que bolsas são desnecessárias, que todo mundo consegue se quiser.
na época desta foto aí (17/18 anos) eu já tinha perdido as contas de quantos objetos haviam sido roubados me ameaçando com violência (celulares, bikes, me roubaram até um pintinho de estimação!); de quantas porradas, chutes e abusos havia sofrido da PM sem estar sequer bebendo. eu já tinha 5 anos de carreira profissional; vendendo projetos de tecnologia nas periferias e bairros de classe média (sites, sistemas interativos, cd-rom multimídia, consertar hardware). fazia meu $ mas a vida acontece, os ventos mudam e o chão some.
quando eu estava mal nutrido (numa aula de psicologia tentando entender o que disse Pavlov); se você me desse uma vara e me mandasse ir pescar em vez de me dar um peixe pra comer, eu ia querer enfiar a vara na sua goela e cuspir no seu cadáver. má nutrição é uma violência.
aos 11 anos, a escola ficava a 3,7km de casa; eu estudava à tarde, tente andar quase 4km sob o sol do sertão do DF (não dá!). não tinha bike nem grana pro busão. o que eu fazia? isso mesmo, calotava (usava o ônibus sem pagar). deve ser ilegal e até crime, né?
foda-se. eu tô aqui.
é por isso que eu fico taaaaaaao ferido quando vejo na Internet comentários dizendo ser aceitável e até justa a violência contra crianças nas periferias; como assassinatos, tráfico recrutando, exército revistando, pm batendo. EU ERA UM DESSES MOLEQUES; fazia meus corres.
já vendi jornal no posto de combustível, carreguei compra na feira, vigiei carro, calotava o busao p/ ir à escola. moleque de periferia normalmente tem que fazer seus corres, chapa.
eu adoraria ter tido inglês, judô e natação, mas isso é pro Jared (aquele personagem do Whindersson Nunes, um menino rico cheio de frescuras).
às vezes até parece que nóis tem ódio de rico; mas não é ódio, é raiva de um grupo (eu explico!).
raiva de quem nos chama de preguiçosos por usar bolsa; mas teve escola americana bilingue, 4 viagens p/ a Disney, 6 funcionárias domésticas, judô, natação, playstation, comandos em ação.
raiva de quem diz, como eu li hoje, que “todo mundo que nasceu fisicamente completo (braços pernas etc) é capaz das mesmas coisas e por isso cotas e bolsas não deveriam existir, pois quem se esforça consegue“.
eu tenho raiva de gente assim.
se você chegou aqui (EITA!) e quer saber mais, veja meu TEDx, justamente na UnB:
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Morei na residência estudantil da faculdade. No primeiro ano peguei greve e fiquei sem bandeijão. Tive que comer farinha de mandioca e água por não ter dinheiro pra comer, mas ter quer fazer listas de cálculo. :(
Depois de meses, consegui bolsa alimentação e tal…. foi um um puta alívio, quase desisti.
Muita força! Bem mais barra que meu caso. Abraços!
Baita exemplo de vida. Parabéns!
Cara, que trajetória incrível, muito foda. Gostaria de te pedir autorização para adaptar e compartilhar esse texto no WhattsApp, mostrar pra geral a importância das políticas assistenciais
Marco, obrigada por estar sempre tentando clarear o pensamento de tanta gente que permanece na caverna, com opiniões preconceituosas e sem qualquer empatia com quem não teve uma vida digna e “fácil” como a dos defensores da “meritocracia” ou dos que são contra política de cotas. Muito importante ouvir de vc que viveu todas as dificuldades e hoje, mesmo sendo um “vencedor” (odeio essa expressão), não esquece de onde veio e dos que passam pela mesma situação.
Its so realistic. Hatred is not happening every time. It depends on that bloody rich person’s mentality.
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Que história incrível! Só assim para a gente entender nossos privlégios