eu sou fruto de políticas assistenciais para quem tem menos, e nós não somos vagabundos

vê o cara com a garrafa de coca-cola na mão? tinha bolsa de aluno carente na universidade de brasília (federal), para poder jantar por R$1. muitas vezes era a única refeição do dia, e mal nutrido, tinha que estudar cálculo, lógica, psicologia, pedagogia.

eu sou fruto de políticas assistenciais para quem tem menos

Marco Gomes com 2 amigos numa festa de quinta. Garrafa de Coca-Cola na mão.
“Festa de Quintal”, Gama, DF, circa 2004.

Publicado inicialmente como thread no twitter, e disponível como artigo no LinkedIn.

é triste quando a pessoa que teve comida; casa com tinta na parede, cerâmica no chão; escola com aulas constantes; atividades extra-curriculares; nunca sofreu assaltos; nunca tomou porrada da PM; vem falar que bolsas são desnecessárias, que todo mundo consegue se quiser.

na época desta foto aí (17/18 anos) eu já tinha perdido as contas de quantos objetos haviam sido roubados me ameaçando com violência (celulares, bikes, me roubaram até um pintinho de estimação!); de quantas porradas, chutes e abusos havia sofrido da PM sem estar sequer bebendo. eu já tinha 5 anos de carreira profissional; vendendo projetos de tecnologia nas periferias e bairros de classe média (sites, sistemas interativos, cd-rom multimídia, consertar hardware). fazia meu $ mas a vida acontece, os ventos mudam e o chão some.

quando eu estava mal nutrido (numa aula de psicologia tentando entender o que disse Pavlov); se você me desse uma vara e me mandasse ir pescar em vez de me dar um peixe pra comer, eu ia querer enfiar a vara na sua goela e cuspir no seu cadáver. má nutrição é uma violência.

aos 11 anos, a escola ficava a 3,7km de casa; eu estudava à tarde, tente andar quase 4km sob o sol do sertão do DF (não dá!). não tinha bike nem grana pro busão. o que eu fazia? isso mesmo, calotava (usava o ônibus sem pagar). deve ser ilegal e até crime, né?

foda-se. eu tô aqui.

Criança mergulhada no lixo, e o texto "não se preocupem! a meritocracia vai me tirar daqui"

é por isso que eu fico taaaaaaao ferido quando vejo na Internet comentários dizendo ser aceitável e até justa a violência contra crianças nas periferias; como assassinatos, tráfico recrutando, exército revistando, pm batendo. EU ERA UM DESSES MOLEQUES; fazia meus corres.

já vendi jornal no posto de combustível, carreguei compra na feira, vigiei carro, calotava o busao p/ ir à escola. moleque de periferia normalmente tem que fazer seus corres, chapa.

eu adoraria ter tido inglês, judô e natação, mas isso é pro Jared (aquele personagem do Whindersson Nunes, um menino rico cheio de frescuras).

às vezes até parece que nóis tem ódio de rico; mas não é ódio, é raiva de um grupo (eu explico!).

raiva de quem nos chama de preguiçosos por usar bolsa; mas teve escola americana bilingue, 4 viagens p/ a Disney, 6 funcionárias domésticas, judô, natação, playstation, comandos em ação.

raiva de quem diz, como eu li hoje, que “todo mundo que nasceu fisicamente completo (braços pernas etc) é capaz das mesmas coisas e por isso cotas e bolsas não deveriam existir, pois quem se esforça consegue“.

eu tenho raiva de gente assim.

se você chegou aqui (EITA!) e quer saber mais, veja meu TEDx, justamente na UnB:

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